sábado, 26 de março de 2011


Miojo Indie - Pequenos Clássicos Modernos (por Cleber Facchi)

O disco "Praia"de 2008 (open field records) ainda traz boas notícias para os ruidosos. Alguns bons ouvidos conseguem captar a essência do trabalho e, melhor, traduzem em palavras. É o caso da resenha do Cleber Facchi, no blog Miojo Indie. Valeu!


"Ouvir o disco A Praia (2008), o primeiro trabalho de estúdio da banda curitibana ruído/mm é como ouvir um daqueles extensos poemas que esbanjam lirismo e que são declamados em uma escura sala de um teatro qualquer. É como se cada verso fosse cuidadosamente pensado e perfeitamente ensaiado pelo declamador, que por sua vez cria pausas dramáticas em cada estrofe para aumentar ainda mais o clima já estabelecido. A única diferença é que essa poesia não dispõe de letras, palavras e versos, apenas som e sentimento.

Pode parecer bobagem, mas é difícil arranjar uma explicação lógica para o que é sentido nas audições desse disco. Cada canção carrega uma carga emocional muito forte, como se dialogasse com o ouvinte mesmo sem conhecê-lo, dentro de uma linguagem universal. Em Praieira, um épico de nove minutos que abre o álbum, quem ouve a faixa é ligeiramente transportado para dentro de um turbilhão emocional que vai da melancolia do início da composição, passando por momentos de desespero, raiva, angústia até o que parece ser uma redenção solitária ao fim da canção. É muito íntimo, como se mesmo ausente de palavras a faixa soubesse tudo sobre você.

Se com esse disco é possível afirmar que a banda alcançou a perfeição, então ela veio em cima de muito ensaio. Série Cinza (2004) e Índios Eletrônicos (2005) entregavam o som do sexteto formado por Giovani Farina (bateria), Sergio Liblik (piano), João Ninguém (acordeão, baixo, guitarra), Pill (baixo, guitarra e teclado), Rafael Martins (baixo, guitarra) e André Ramiro (violão, guitarra, voz) de uma maneira crua, quase fria e desprovida de sentimentos. Se havia emoção ali ela vinha amargurada, tal as guitarras embrutecidas de faixas como Dois e Gatinho. É quase como se a banda espancasse você, como se não houvesse diálogo.

Em A Praia o som flui em uma linguagem oposta, mais madura. A raiva ainda habita algumas canções, mas é a sensatez quem prevalece. O álbum chega de maneira até acalentadora, conversa contigo, te orienta, mesmo sem dizer uma palavra. A homônima faixa que dá nome ao disco vai te encaminhando por meio de texturas cuidadosamente elaboradas, cada acorde se posiciona em um ponto coerente e te encaminha cada vez mais para dentro da coleção de sons, sentimentos e da alma do disco.

Para os não habituados aos arranjos estratégicos e a ausência de vocais, a banda até te presenteia com composições menos alongadas e comercialmente mais fáceis. Sanfona é uma dessas. É o tipo de canção que você ouve na trilha sonora de um filme e se sente compelido a buscá-la via rede assim que chega em casa. Seus ruídos calculados e acordes marcados conseguem encantar o ouvinte sem que pra isso precisem de muito esforço.

A beleza dentro dessa pequena obra não se concentra em pontos específicos, mas se dissolve em todos os momentos e canções. Está na minúscula Caixinha de Música, com seus míseros 50 segundos, é encontrada no clima etéreo de Stravinsky Sky, assim como é perceptível em toda a extensão de Praieira. Um trabalho que esbanja cuidado, precisão e que antes de tudo deixa transparecer sua alma.

Nota: 8.7
Para quem gosta de: Hurtmold, A Banda de Joseph Tourton e Constantina
Ouça: Praieira "

Defenestrando - Entrevista com ruído/mm

Primeiro uns tuítes chamaram a atenção. Começaram os burburinhos. Depois uma conversa com os integrantes da banda confirmou: o ruído/mm está, finalmente, em estúdio para gravar seu próximo disco. Ficamos em polvorosa. "Disco novo do ruído! Disco novo do ruído!"



Mas essa história já é antiga. No mínimo desde o segundo semestre de 2009, quando a banda fez show no Sesc da Esquina a pretexto de ser o últimoMas essa história já é antiga. No mínimo desde o segundo semestre de 2009, quando a banda fez show no Sesc da Esquina a pretexto de ser o último antes da gravação do segundo álbum. Desde lá fãs declarados (como este blogueiro) aguardam pacientemente pelo sucessor do elogiadíssimo "A Praia", de 2008. Eis então que nesse começo de 2011 os ruídos foram ao estúdio.

Aproveitamos o ensejo para fazer perguntas ao ruído sobre a criança em gestação. A conversa foi virtual. Bichogrilice nossa, sempre que entrevistamos alguém por e-mail avisamos ao entrevistado que há toda a permissão para a liberdade poética nas respostas, mas dava pra saber, no fundo, que para o ruído esse aviso não era nem necessário. Como já falamos de outra vez, as respostas jornalísticas do ruído são até algum ponto excêntricas, surgindo daí alguma coerência com suas próprias músicas: não é à uma primeira ouvida/lida que elas serão digeríveis, mas algum tempo depois elas fazem todo o sentido e chegam onde querem chegar.

Como uma música difícil que vai se desenrolando e fica melhor a cada vez que você ouve, seguem as loucas, maduras e sensacionais respostas do ruído/mm pelas vozes de Ramiro, Pill e Liblik (respectivamente guitarristas e pianista):

-----

Como foi a pré-produção do disco? Houve uma convivência forçada dos integrantes da banda até que tudo ficasse pronto para gravar ou foi a mera rotina normal de ensaios e shows?

Panke - Ensaiamos intermitantemente, aquela coisa meio montanha-russa. Haviam ensaios do tipo água-na-bunda, em véspera de show, em que dávamos um jeito de aprontar uma versão apresentável de cada música; mas também fizemos algumas sessions mais abertas, nas quais a gente se internava uns dias para desconstruir e reler as composições. Chegamos a gravar umas prés lá em casa, para tentar visualizar alguma forma definitiva, mas foi tudo fluindo ao sabor dos ventos, não houve nenhum cronograma rígido ou período de produção forçada.

Ramiro - Estamos em pré-produção produzindo e gravando a pré que será a prova final de um mundo de prés-sem-prés. haha. Na real da real, a vida mudou pra caramba nestes últimos dias, eu vim pro Rio, o Panke vai pra Sampa e tivemos que confrontar com esse elefante antes do tempo, tanto que as músicas que estamos gravando agora são nossas melhores amigas. Depois disso gravaremos mais duas, pelo menos, aí vamos precisar do lendário ócio produtivo. Ou não.

Esse disco é anunciado pela próprio ruído há bastante tempo, mas foi só agora que a banda entrou em estúdio pra valer. Lembro que fui a um show em setembro de 2009 ("A última praieira") que já anunciava ser o último antes do lançamento do próximo disco, mas várias outras apresentações rolaram entre aquele ano e o ano passado. Sabemos das diversas dificuldades que uma banda pode encontrar em todo o processo de gravação de um álbum. O que fez o ruído ter esse intervalo de tempo tão grande entre o anúncio da gravação e a dita cuja?

Panke - A mudança para a formação atual aconteceu justamente depois desse show. Passamos esse ano entrosando a banda, reinterpretando as composições, consolidando o quinteto.

Liblik - Como você sabe, nenhum de nós vive da música (mas todos pela música) e isto não é uma desculpa - mas apenas pra constar que são cinco adultos, com filhos, mulheres e vida real, com todos os nós borromeanos de cada um. Só que o ruído não é uma empresa de marketing que quer desenvolver um produto. Isso a gente deixa para os músicos profissionais. Tivemos a necessidade de ter o nosso tempo, como uma família que passa por perdas e dificuldades e precisa se reorganizar-ressignificar para se compreender. A nossa música parte dessa interação coletiva, com suas conversas e longos Eu-Tus (buberianos) - é esse o material que "trabalhamos" quando compomos. Ora; neste caso é de se imaginar quanto tempo demora estar em sincronia para trabalhar os temas e obter (ou não) os resultados. Estes insights musicais que nos guiam tem que ser repetidos e causar esta boa impressão coletiva para serem mantidos; nós descartamos muito mais do que guardamos. Logo o tempo do ruído (e de algum pretenso artista) não é o tempo real cronométrico - ele não é o tempo do hype, com certeza.

Ramiro - A última praieira foi jogada de marketing. hahaha

"A Praia" foi um disco muito elogiado por aí. Se a memória não me zoa, o próprio Pill falou que, quando a banda começou a gravá-lo, mal imaginava essa repercussão. Depois de toda essa história, é inevitável que o ruído encare o segundo disco (e a si próprio) de uma forma diferente. Qual é a mentalidade da banda ao entrar novamente no estúdio de gravação?

Pill - A gente imagina muita coisa, que iriam e irão ter pessoas com a mesma paixão pelas track que nós... A mentalidade é ir onde os ouvidos mandam.

Ramiro - O novo disco não vai chegar nem perto da "praia", pois acredito que não exista uma hierarquia entre discos. Eles estão voando no espaço, só depende de qual planeta você é, tipo de nave em que se encontra e tempo x espaço que cada um possui para gostar ou não das obras. Cada uma vai bater na hora certa.

Chamaram algum produtor ou estão fazendo tudo na raça mesmo?

Ramiro - Produtor propriamente dito não, mas músico e grande brother Cassiano Fagundes (Bad Folks). Como estou no Rio e as coisas andam aceleradas para agilizar o processo, não sei como estão os contatos. Sei que o David Friedman mandou um e-mail pra gente querendo ouvir algumas faixas, mas deixamos quieto. uhauhauhauha (sonho)

Pill - O Cassim, do Bad Folks e do Barbária, iria produzir nosso disco. Como nosso cronograma funciona de cabeça pra baixo infelizmente não foi possível.

Querem dar uma pincelada geral no disco? Contar uma historinha sobre as músicas mais marcantes, essas coisas que servem pra atiçar a curiosidade.


Ramiro - Pincelada = todas as tintas jogadas por uma tromba de elefante.

Pill - Enviamos as tracks numa caixinha de música para a Terra do Nunca e Peter ouviu todas enquanto dormia. Ele nos pagou 3 bolinhas de gude e nada mais.

Liblik - Imagine um jantar especial, desses que te servem destas coisas que você nunca teve coragem de comer tipo nabos, jacas e roll-mops. Imagine agora as sensações cinestésicas que isto te provocaria.

Panke - É... tipo isso.

A criança já tem nome?

Liblik - Depois da praia, nós estamos subindo a montanha... Haha

Ramiro - . . .. . . ... .....

Para terminar, a pergunta inevitável: qual é a previsão de lançamento?

Ramiro - Em vida

Liblik - ou póstumo...

-----

Aguardamos com a paciência afetuosa de sempre.

E queremos acreditar que a resposta do Ramiro para o nome do disco esteja em código morse. Quem souber o que significa pode escrever aí nos comentários (e rola uma liberdade poética também para os leitores, hehe).

http://www.defenestrando.com/2011/02/entrevista-ruidomm.html